Dentre as funções que compreende a prática da liderança, talvez a tomada de decisão seja uma das mais desafiadoras. Visto que a tarefa de fazer escolhas envolve consequências – tanto positivas quanto negativas – que determinarão em grande medida o futuro da organização.

Esse desafio se torna ainda maior para o líder cristão que precisa lidar com as dúvidas e incertezas acerca da vontade de Deus. A falta de preparo para essa importante tarefa, ao longo dos anos, tem gerado grandes prejuízos para o evangelho. Por isso, nesse artigo abordaremos a seguinte questão: como podemos descobrir a vontade de Deus para uma melhor tomada de decisão?

O reverendo John Stott, ao comentar o relato da escolha de Matias como apóstolo em Atos 1.21-26, apresenta três fatores que podem nos ajudar a descobrir a vontade de Deus1.

“É muito instrutivo notarmos o conjunto de fatores que propiciaram a descoberta da vontade de Deus”
JOHN STOTT

A tomada de decisão envolve ouvir as Escrituras

Fator 1: Tomada de decisão envolve ouvir as Escrituras

O primeiro fator que pode ajudar a descobrir a vontade de Deus é a busca pelas orientações gerais das Escrituras. O apóstolo Pedro justifica a escolha de um substituto para Judas a partir de uma nova maneira de interpretar2 os Salmos 69 e 109.

Em seu discurso ele diz: “Irmãos, era necessário que se cumprisse a Escritura que o Espírito Santo predisse por boca de Davi, a respeito de Judas […] porque […] está escrito no Livro de Salmos […] portanto, é necessário que escolhamos […] (Atos 1.16,20-21).

É interessante a lógica do argumento de Pedro: porque está escrito, é necessário que escolhamos. Acredito que a tomada de decisão da liderança cristã precisa seguir a mesma lógica do apóstolo Pedro.

Precisamos ouvir atentamente o que a Palavra de Deus escrita tem a nos dizer. Para isso, devemos nos aproximar do texto fazendo duas perguntas distintas na seguinte ordem: 1) “O que significou o texto?” e 2) “O que ele diz?”.3

“A primeira tarefa de um intérprete é deixar que o autor diga o que ele está realmente dizendo, em vez de atribuir-lhe o que se pensa que ele queria dizer.”
JOÃO CALVINO

Diante das diferentes interpretações e das dificuldades que envolvem a contextualização equilibrada, devemos oferecer às pessoas que servem a Deus conosco a liberdade de questionar a leitura que estamos fazendo do texto bíblico. Afinal, embora a Escritura seja a autoridade suprema, “o entendimento bíblico de um comunicador pode sem dúvida alguma estar errado – na verdade, isso sempre acontece em parte – e, portanto, ele precisa estar sempre disposto a ser corrigido”4.

O processo de se voltar para as Escrituras e expor os fundamentos bíblicos de nossas decisões à comunidade da fé, com certeza pode nos aproximar da vontade de Deus para uma situação específica.

Tomada de decisão envolve bom senso

Fator 2: Tomada de decisão envolve usar o bom senso

O segundo fator que pode ajudar a descobrir a vontade de Deus é usar o bom senso. “Se o substituto de Judas deveria ter o mesmo ministério apostólico”, declara Stott, “ele deveria também ter as mesmas qualificações, incluindo a experiência de ser uma testemunha ocular de Jesus e ser escolhido pessoalmente pelo Mestre. Esse raciocínio dedutivo e saudável levou à indicação de José e Matias”5

Um erro muito comum entre os líderes cristãos é acreditar que os seus conhecimentos bíblicos e teológicos são suficientes para os conduzirem à vontade de Deus. Tim Keller é enfático ao dizer que nossa leitura da Bíblia está condicionada por “viseiras culturais” e que, portanto, precisamos ouvir as pessoas com pensamentos diferentes para evitar uma visão reducionista do evangelho6.

A ideia predominante entre os pastores e líderes de que a igreja é uma instituição completamente diferente de qualquer outra organização tem gerado muitos problemas para o cristianismo. Quando estou implantando o software de gestão ministerial Apprisco nas igrejas, muitas vezes me deparo com o fato de que as tomadas de decisão não são baseadas em dados confiáveis.

Nesse contexto, o risco de prejuízos devido a decisões equivocadas aumentam consideravelmente. Como decidir pela compra do equipamento de som se as informações financeiras não estão disponíveis? Como elaborar uma estratégia quando não se sabe o perfil das pessoas que frequentam a igreja?

“Administradores eficazes […] precisam desenvolver suas habilidades na arte de ‘ler’ as situações que estão tentando organizar ou administrar”
GARETH MORGAN

Por essa razão, a utilização de um sistema de informação desenvolvido especificamente para a realidade ministerial se constitui algo essencial para uma adequada tomada de decisão. Como afirma Morgan7, os administradores precisam aprender a ler as situações com as quais sua gestão está envolvida e para isso as informações adequadas precisam estar disponíveis para que o bom senso possa ser utilizado. 

Fator 3: Tomada de decisão envolve oração

Após ouvir as Escrituras e usar o bom senso, o terceiro fator que pode ajudar a descobrir a vontade de Deus é a oração. Valendo-se novamente do texto de Atos, John Stott afirma que os discípulos oraram porque, “apesar de Jesus ter ido embora, ainda havia um acesso a ele através da oração e sabia-se que ele possuía o conhecimento do coração de todos, coisa de que careciam”8.

A oração feita após a indicação de José e Matias revela um profundo desejo de descobrir a vontade de Deus: “Senhor, tu conheces o coração de todos. Mostra-nos qual destes dois tens escolhido para assumir este ministério apostólico que Judas abandonou, indo para o lugar que lhe era devido” (Atos 1.24).

“A oração não é apenas um meio de relacionamento, mas também um caminho de transformação.”
RICARDO BARBOSA

De acordo com Ricardo Barbosa, “a maneira como oramos e o conteúdo de nossas orações revelam o que pensamos sobre Deus e o que pensamos sobre nós”9. Quando meditamos na oração dos discípulos, aprendemos duas lições acerca da maneira como devemos orar.

A primeira lição é que Deus conhece todas as coisas e que, portanto, tem melhores condições de saber qual decisão é melhor. Sendo assim, não devemos orar com o intuito de convencer a Deus de que nosso desejo é a melhor opção. Ao contrário, devemos nos submeter à sua soberana vontade.

A segunda lição é que enquanto oramos, Deus transforma o nosso coração nos dando uma compreensão mais clara de sua vontade. Afinal, “a oração não apenas revela as distorções antropológicas e teológicas, mas também é a forma e o caminho para corrigir essas distorções”10

Conclusão

A descoberta da vontade de Deus para uma tomada de decisão eficiente envolve ouvir as Escrituras, usar o bom senso e a oração. Pode-se questionar que a confirmação da escolha de Matias se deu quando “tiraram sorte” e que, portanto, haveria um quarto fator. De acordo com Stott, esse método era utilizado para descobrir a vontade de Deus no Antigo Testamento, “mas que não parece ter sido usado após a vinda do Espírito” e esses três fatores se “constituem um combinação completa, confiável, pela qual Deus nos guia hoje”11.

“Portanto, não sejam insensatos, mas procurem compreender qual é a vontade do Senhor”
EFÉSIOS 5.17

Notas

1. STOTT, John. A mensagem de Atos: até os confins da Terra. 2. ed. São Paulo: ABU Editora, 2008. p. 54-60.

2. Nessa nova maneira de interpretar, “geralmente, as Escrituras judaicas tiveram de ser adaptadas em alguma medida à luz da tradição-Jesus, às luz de sua estimativa e fé em Jesus, à luz da nova situação que ele trouxe. A adaptação foi algumas vezes somente no sentido dado ao texto. Mas, com frequência, envolvia uma modificação do próprio texto também, algumas vezes uma considerável modificação e combinação de textos diferentes. E, algumas vezes significou abandonar vários preceitos integrantes para a religião do AT, tendo sido substituídos completamente pela tradição-Jesus” (DUNN, James D. G. Unidade e diversidade no Novo Testamento: um estudo das características dos primórdios do cristianismo. Santo André: Editora Academia Cristã: 2009. p. 188.

3. Cf. STOTT, John. Ouça o Espírito, ouça o mundo: como ser um cristão contemporâneo. São Paulo: ABU Editora, 2005. p. 235.

4. KELLER, Timothy. Igreja centrada: desenvolvendo em sua cidade um ministério equilibrado e centrado no evangelho. São Paulo: Vida Nova, 2014. p. 121.

5. STOTT, A mensagem de Atos, p. 59.

6. KELLER, Igreja centrada, p. 123-124.

7. Cf. MORGAN, Gareth. Imagens da organização. São Paulo: Atlas, 2007. p. 15.

8. STOTT, A mensagem de Atos, p. 59.

9. SOUSA, Ricardo Barbosa de. A espiritualidade, o evangelho e a igreja. Viçosa: Editora Ultimato, 2013. p. 81.

10. Idem, p. 131.

11. STOTT, A mensagem de Atos, p. 59.

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